O Espírito Santo deseja a nossa santidade!

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A teologia espiritual tradicional define a santidade como “a perfeição da caridade”; nós poderíamos traduzir que a santidade é a vitória da caridade! Trata-se então de reconhecer no santo não tanto uma certa realização-perfeição pelagiana (ou farisaica), mas a vitória da caridade que ganhou definitivamente toda a sua pessoa.

É isso que S. Paulo mostra, como a via que ultrapassa todas as outras, a da caridade. “Agora, portanto, permanecem fé, esperança, caridade, estas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade.” (1 Cor 13,13)

Todos os carismas e os dons do Espírito Santo são dados, em vista do amor. E nós podemos dizer que cada carisma não tem outra finalidade a não ser a de ser vivido, “unido, ofertado” ao amor de Deus e ao amor dos irmãos. Reconhecemos que se trata aí, de uma grande exigência, porque um carisma vivido sem amor é um carisma vazio, que perdeu toda a sua graça divina.

Nesse sentido, podemos pensar que se o Espírito Santo comunica largamente e gratuitamente os carismas, sem nenhum mérito da nossa parte, esse mesmo Espírito Santo que é Amor (Cf. Rm 5,5), nos quer e nos coloca no caminho de uma vida impregnada e ganha pelo Amor!

Podemos dizer, de uma certa maneira, que todo o cristão carismático foi “provocado” ao amor e à santidade através dos – seus – carismas.

O Apóstolo Paulo situa o amor-caridade no centro da sua teologia sobre os carismas, colocando-os no coração da vida carismática: o Hino à Caridade!

“Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e as dos anjos, se eu não tivesse a caridade, seria como um bronze que soa ou como um címbalo que tine. Ainda que eu tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência, ainda que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse a caridade, eu nada seria. Ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse a caridade, isso nada me adiantaria. A caridade é paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade jamais passará. Quanto às profecias, desaparecerão. Quanto às línguas, cessarão. Quanto à ciência, também desaparecerá. Pois o nosso conhecimento é limitado, e limitada é a nossa profecia. Mas, quando vier a perfeição, o que é limitado desaparecerá.” (1 Cor 13,1-10)

Para dizer de uma maneira mais concreta, uma pessoa que alimenta julgamentos contra os seus irmãos e irmãs, se a sua tendência não for convertida e purificada pelo amor do Espírito Santo, essa pessoa poderá até declarar certos elementos verdadeiros acerca dos outros, mas a comunidade não poderá falar de um carisma de discernimento. Se pelo contrário, esta mesma pessoa, cresce na santificação e no amor, passando do julgamento a uma verdadeira graça de discernimento espiritual, reconhecida depois como um carisma por toda a comunidade, esta pessoa constrói a comunidade no Espírito Santo.

Da mesma maneira, um carisma de profecia autêntico, pode perder a sua unção do Espírito se aquele que o exerce, não o submete à comunidade, pelo fruto do Espírito que é a obediência, a paciência e o autodomínio… Esta profecia, então, perde a sua força e não será reconhecida como um dom inspirado da parte do Senhor.

Não podemos esquecer que a Tradição espiritual da Igreja reconheceu durante séculos, três fases da vida espiritual: a fase da iluminação, a fase da purificação e a fase da união.

O batismo no Espírito e a prática dos carismas nos impulsionam, quer queiramos quer não, para o caminho da santificação e da santidade. É então que intervém a relação necessária entre: os carismas e os frutos do Espírito.

“O fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio. Contra estas coisas não existe lei.” (Gl 5,22-23)

Notemos que Paulo não fala “dos” frutos, mas fala “do” fruto, o fruto do Amor, que os resume a todos.

A vida carismática revela a misericórdia de Deus nos seus dons e nos seus chamados. Isso não é novo, pois  vemo-lo ilustrado, na vida dos homens e mulheres de Deus, da Primeira Aliança, tais como: Gedeão, Amós, Jeremias e muitos outros: “‘Pai, meu Senhor!’ respondeu Gedeão, ‘como posso salvar a Israel? O meu clã é o mais pobre em Manassés, e eu sou o último na casa de meu pai’.” (Jz 6,15)

Amós respondeu a Amasias: “Não sou um profeta, nem filho de profeta; eu sou um vaqueiro e um cultivador de sicômoros.” (Am 7,14)

“‘Ah! Senhor, eis que eu não sei falar, porque sou ainda uma criança!’ Mas o Senhor respondeu: ‘Não digas: Eu sou uma criança! Porque a todos aqueles a quem Eu te enviar, tu irás’.” (Jr 1,6-7)

Cada um deles parecia, a priori, pouco preparado e qualificado para a missão para a qual Deus os chamava… Mas o que é de sublinhar, é a maneira como Deus, em seguida, os transformou, trabalhou, santificou e tornou capazes, interiormente, da sua missão até ao fim, quer dizer, a santidade.

É ainda isso, que sublinha Paulo quando ele declara: “Não como se fôssemos dotados de capacidade que pudéssemos atribuir a nós mesmos, mas é de Deus que vem a nossa capacidade.” (2 Cor 3,5)

O carisma desempenha, muitas vezes, um papel pedagógico de primeiro grau, como um clique, motivador e santificador num trabalho que deve  juntar-se a ele e corresponder-lhe.

Viver um carisma como um ministério exige, de fato, um trabalho e uma vida espiritual em correspondência: feita de humildade, de desapego de si mesmo, de docilidade, submissão e obediência aos responsáveis e aos Pastores da Igreja.

Mas esse trabalho e essa cooperação da vida carismática deve ser posta ao serviço, da obra de santificação em nós, pelo Espírito Santo, que deseja muito mais do que o nosso serviço carismático, a nossa santidade, no amor de Deus.

“O Senhor considera menos a grandeza de nossas obras do que o amor com que as cumprimos.” (Sta. Teresa de Jesus, 7ª Morada)

“Jesus não pede grandes ações… Ele não precisa das nossas obras, só do nosso amor.” (Sta. Teresinha do Menino Jesus)

A santidade na nossa vida terrena deveria, finalmente, consistir numa vida de escuta, de docilidade, de obediência aos desejos do Espírito Santo. Isso supõe uma espécie de familiaridade com o Espírito Santo, presente nos nossos corações. S. Tomás de Aquino utiliza a expressão de “instinto do Espírito Santo” (instinctus Spiritus Sancti).

É necessário, nesse contexto, esclarecer a diferença entre a graça santificante e a prática dos carismas, mesmo se há interações entre elas. Encontramos esta explicação no Catecismo da Igreja:

“A graça é, antes de tudo e principalmente, o dom do Espírito que nos justifica e nos santifica. Mas também compreende os dons que o Espírito nos dá, para nos associar à sua obra, para nos tornar capazes de colaborar na salvação dos outros e no crescimento do corpo místico de Cristo, que é a Igreja. São as graças sacramentais, dons próprios dos diferentes sacramentos. São, além disso, as graças especiais, também chamadas ‘carismas’, segundo o termo grego, usado por S. Paulo e que significa favor, dom gratuito, benefício (Cf. LG 12). Qualquer que seja o seu caráter, por vezes extraordinário, como o dom dos milagres ou das línguas, os carismas são ordenados para a graça santificante e têm por finalidade o bem comum da Igreja. Estão ao serviço da caridade que edifica a Igreja. (Cf. 1 Cor 12).” (CIC, nº 2003)

Esta vida mística, que conduz à santificação e à santidade, precisa dar um passo numa etapa de profundidade, um “Duc in altum”. Isto consiste em unir a nossa contemplação ao dom de si mesmo. Sta. Teresa de Jesus descreve-o assim:

“Sem abandonarmos totalmente a nossa vontade ao Senhor para que, em tudo o que nos toca, Ele faça conforme à Sua vontade, nunca nos deixará beber desta fonte.” (Sta. Teresa de Jesus, in Caminho de Perfeição, cap. 34)

Mas isso não acontece por si só, e  é por isso que Teresa diz: “Nós somos tão lentos a fazer para Deus o dom absoluto de nós mesmos que nós nunca terminamos de nos preparar para esta graça (verdadeiro amor). Parece que nós damos tudo a Deus. Ora, nós só lhe oferecemos os rendimentos e os frutos, no entanto, guardamos para nós os fundos e a propriedade.” (Sta. Teresa de Jesus, in Livro de Vida, cap. 11)

É somente, nesse dom absoluto e profundo de nós mesmos, que o dom da caridade que está em nós encontra a sua plenitude, quando ela consegue conquistar tudo em nós. E é somente na luz e na oblação de Cristo que nós podemos entrar nesse dom de si oblativo, como uma “humanidade de acréscimo”, quando é identificada, ofertada e unida a Cristo.

A graça da contemplação não pode realmente manifestar-se, senão pela experiência paradoxal e muitas vezes, desconcertante de uma “dolorosa alegria”, misturando na nossa alma, obscuridade e luz divina. Experiência de profunda pobreza, fraqueza extrema, até ao desamparo e abandono, chamada pelos mestres do Carmelo “noite escura”. Esta experiência é uma profunda purificação passiva da nossa alma, chamada “passiva” porque já não somos nós, que temos o controle, mas sim, Deus.

Foi isso que testemunhou Sta. Teresinha do Menino Jesus no fim da sua vida, e que S. João Paulo II mencionou na sua Carta Apostólica Novo Millenio Ineunte:

“Teresinha de Lisieux vive a sua agonia em comunhão com a de Jesus, verificando precisamente em si própria, o paradoxo de Jesus, feliz e angustiado: ‘Nosso Senhor, no Horto das Oliveiras, gozava de todas as alegrias da Trindade, e todavia a Sua agonia, não era menos atroz. É um mistério; mas posso assegurar-lhe — escreve ela à Superiora — que compreendo alguma coisa desse mistério, a partir do que sinto em mim mesma’ (Citando Últimas conversações. O Caderno Amarelo, de 6 de julho de 1897).” (NMI, nº 27)

“É um testemunho luminoso!”, acrescenta S. João Paulo II.

Situemo-nos nesta escola do Carmelo, pedindo ao Senhor a graça dos dons do Espírito Santo, para nunca recusar nada ao Beneplácito de Deus, nas Suas vontades e de aceitar essa desapropriação de si mesmo, em proveito de Deus. Essa capacidade de amar, oblativa e até à perfeição e na plenitude do amor de Deus em cada um de nós.

É o desejo que o Papa Francisco apresentou na festa de Sta. Teresinha do Menino Jesus, no dia 1 de outubro de 2014:

“Hoje, a Igreja celebra a festa de Sta. Teresa do Menino Jesus. Esta santa, que faleceu com vinte e quatro anos e amava intensamente a Igreja, desejava ser missionária, mas desejava possuir todos os carismas, e dizia: ‘Gostaria de fazer isto, isso e aquilo’, queria ter todos os carismas. Na oração, sentiu que o seu carisma era o amor! E pronunciou esta linda frase: ‘No coração da Igreja, serei o amor!’ Mas este carisma todos nós temos: a capacidade de amar. Peçamos hoje a Sta. Teresinha do Menino Jesus esta capacidade de amar intensamente a Igreja, de a amar muito e de aceitar todos os carismas com o amor de filhos da Igreja, da nossa santa mãe, a Igreja hierárquica.” (Papa Francisco, in Audiência Geral, Praça S. Pedro, quarta feira, dia 1 de outubro de 2014)