O Cristo Pascal: coração da mensagem a anunciar!

por Diácono Georges Bonneval

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O Papa Paulo VI, na sua “carta” sobre a evangelização (Evangelii Nuntiandi), começa o ministério da missão pelo testemunho de vida.

“O Evangelho deve ser proclamado primeiro pelo testemunho”

Depende muito, com certeza, do testemunho pessoal mas, quando este testemunho é suportado por “dois ou três reunidos no Nome do Senhor”, esse testemunho toma, então, uma outra força. As missões comunitárias, que cada comunidade pode viver, são verdadeiros “laboratórios apostólicos”. Porque é a comunidade cristã que, por essência, é missionária. Nesta dinâmica comum, cada um participa segundo o seu carisma. Deus não vê dum lado o clero e do outro os leigos. Ele olha a Igreja como um corpo no qual cada membro tem sua função. Há, naturalmente, uma vocação específica para os padres, os consagrados, os esposos... mas a evangelização é a vocação e a preocupação comum de todos os batizados.

Estas missões precisam sempre do chamado, da bênção e do envio do Bispo diocesano e do pároco da paróquia na qual terá lugar a missão. Durante a semana – sempre que possível – a missão de uma equipe de missionários reunirá milhares de pessoas (crianças, jovens, famílias, pessoas idosas...). Cada uma das noites da semana será específica por exemplo: para os casais, para as crianças, para os jovens. Os colégios, as empresas, os hospitais, as prisões, serão visitados; assim como as casas, de porta em porta, pelos evangelizadores enviados dois a dois.

O ponto culminante será a última noite animada com cantos de louvor alegres, marcada por testemunhos, com uma pregação da Palavra de Deus, centrada sobre o tema anteriormente recebido juntos. A evangelização e a atualidade sempre nos levam a rever e a preparar cuidadosamente o conteúdo do anúncio e da formação que vamos fornecer. A Boa Nova não é, antes de tudo, uma moral, nem mesmo uma sabedoria, muito menos uma ideologia, nem uma doutrina, mas é a Pessoa viva de Jesus Cristo que é o seu cerne.

Depois, é a missa paroquial do domingo que concluirá a missão, como uma colheita que reunirá os feixes, em ação de graças e recolhendo os testemunhos das pessoas que terão vivido uma experiência viva de fé.

Os testemunhos de fé terão um impacto sobre as consciências das pessoas encontradas e suscitarão questões.

A segunda etapa da missão: as questões

“Por força deste testemunho sem palavras, estes cristãos fazem aflorar no coração daqueles que os veem viver, perguntas indeclináveis: Por que é que eles são assim? Por que é que eles vivem daquela maneira? O que é, ou quem é, que os inspira? Por que é que eles estão conosco? Pois bem: um semelhante testemunho constitui já proclamação silenciosa, mas muito valiosa e eficaz da Boa Nova. Nisso há já um gesto inicial de evangelização.” (Papa Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, n° 21)

Estas questões serão um fermento, uma semente depositada nos corações e que, depois, poderá dar início a um novo desejo de ir mais longe no caminho de vida com o Senhor. Os missionários, continuarão o seu programa, prolongando essa missão na adoração, confiando cada pessoa encontrada.

O “Kerygma”: o coração do anúncio missionário

Em todo o tempo, como em toda a cultura e país, a Igreja não poderá nunca se dispersar deste primeiro anúncio: o “kerygma”, que declara, com convicção e fé: “Jesus Cristo morreu e ressuscitou. Ele está Vivo!”.

Devemos explicitar o que é este “kerygma”. Trata-se de um primeiro anúncio do Evangelho ou da pregação missionária que suscita a fé. Devemos sempre voltar aí e nunca nos afastarmos. Um exemplo de “kerygma” se encontra nas Cartas Paulinas, em particular num dos mais antigos credos da Igreja: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Cor 15, 3-4).

“Aquele que, na sua morte, aparece aos olhos humanos desfigurado e sem beleza, a ponto de obrigar os espectadores a desviar o rosto (Cf. Is 53, 2-3), manifesta plenamente a beleza e a força do amor de Deus, precisamente na Cruz. Assim o contempla Sto. Agostinho: Admirável é Deus, o Verbo junto de Deus. (...) É admirável no céu, admirável na terra; (...) admirável nos milagres, admirável nos suplícios; admirável quando convida à vida, admirável quando não se preocupa com a morte (...); admirável na Cruz, admirável no sepulcro, admirável no céu. (...) e que a fragilidade da carne não afaste os vossos olhos do esplendor da sua beleza.” (S. João Paulo II, Exortação Apostólica Vita Consecrata, n° 24)

Por conseguinte, será necessário que o anúncio do “kerygma” seja retransmitido por uma catequese estruturada. Quem, entre nós, se lembra deste primeiro momento, semelhante ao dos apaixonados, que desperta esse amor, incomparável com nenhum outro!

As verdades que deverão, em seguida, serem aprofundadas pela catequese, são aquelas mesmas que tocaram o homem no coração quando as escutou pela primeira vez, mas deverão ser trabalhadas em profundidade.

“A Igreja, constantemente estimulada pelo desejo de evangelizar, não tem senão uma preocupação instigadora: Quem enviar a anunciar o mistério de Jesus? Com que linguagem anunciar um tal mistério? Como fazer para que ele ressoe e chegue a todos aqueles que o hão de ouvir? Este anúncio, ‘kerygma’, pregação ou catequese, ocupa um tal lugar na evangelização que, com frequência, se tornou sinônimo dela. No entanto, ele não é senão um aspecto da evangelização.” (Papa Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, nº 22)

O conteúdo do “Kerygma” não se inventa, é o coração da Palavra de Deus proclamada

A Palavra atravessou séculos para ser, ainda hoje e sempre, lida, pregada, exortada, celebrada, estudada, meditada e isto desde Maria Madalena e os Apóstolos, de Pedro a Francisco.

O que adorais sem conhecer, isto venho eu anunciar-vos.” (At 17, 23)

No nosso batismo, esta palavra já ressoou: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo”. (Mc 1, 11)

Esta palavra batismal precede e busca cada um dos batizados em todo tempo e situação que ele possa ter que viver.

“O Senhor Deus me deu língua de discípulo para que soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto. De manhã em manhã Ele me desperta, sim, desperta o meu ouvido para que eu ouça como os discípulos. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não fui rebelde, não recuei.” (Is 50, 4-5)

Esta comunicação “kerygmática”, como acabamos de dizer, deverá ser depois aprofundada e continuada por uma catequese e uma formação mais sólida. Devemos propor uma teologia espiritual centrada na Escritura, mas também uma teologia da história e uma sólida antropologia, de forma a não induzir os novos evangelizados numa mística atemporal e somente ideológica.

Para retornar ao anúncio do “kerygma”, devemos reler o Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos que o apresentam nos seus “discursos missionários” (Cf. At 2; 3;10, 13). Podemos sintetizar, assim, os efeitos

essenciais e trinitários que o “kerygma” vem iluminar: Deus me fala... Deus age na minha vida... Deus pode mudar a situação... Jesus se revela pessoalmente... O Espírito Santo me transforma...

A Palavra de Deus suscita a volta aos sacramentos e à Igreja dos Apóstolos

É assim na pedagogia da “re-evangelização” utilizada por Jesus com os discípulos de Emaús. Jesus age nesse relato como evangelizador (como “didaskalos”, que quer dizer “mestre”). Os destinatários eram, portanto, os cristãos, e nesse sentido, pessoas já evangelizadas que tinham, de fato, recebido o chamado para seguir Jesus como discípulos (Cf. Lc 24, 13-35). Mas, de novo, Jesus devia, proclamar o “kerygma” da salvação inflamando, mais uma vez seus corações.

Notemos, ponto por ponto, com que “método de evangelização” e, sobretudo, com que pedagogia benevolente de misericórdia, Jesus vai juntar-se a eles em profundidade:

1º) Lc 24,15 - Ele se aproximou deles:

“O próprio Jesus aproximou-se e pôs-se a caminhar com eles.”

2º) Lc 24, 17 - Coloca-lhes uma questão:

“Que palavras são essas?”

3º) Lc 24, 25 - Repreende-os:

Ele, então, lhes disse: ‘Insensatos e lentos de coração para crer em tudo o que os profetas anunciaram!’”

4º) Lc 24, 26 - Lembra-lhes o “kerygma”:

Não era preciso que o Cristo sofresse tudo isso e entrasse em Sua glória?”

5º) Lc 24, 27: Lembra-lhes a Palavra de Deus:

“E, começando por Moisés e por todos os Profetas, interpretou-lhes em todas as Escrituras o que a Ele dizia respeito.”

6º) Lc 24, 28-29 - Permanece discreto, sem se impor:

“Jesus simulou que ia mais adiante. Eles, porém, insistiam, dizendo: ‘Permanece conosco...’”

7º) Lc 24, 30-31: Convida-os à Eucaristia:

“E, uma vez à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, depois partiu-o e distribuiu-o a eles. Então seus olhos se abriram e o reconheceram...”

8º) Lc 24, 31 - Uniu-os ao sacramento, e assim Ele pode partir:

“Seus olhos se abriram e o reconheceram; ele, porém, ficou invisível diante deles.”

9º) Lc 24, 32 - Os discípulos fazem a leitura – a anamnese – da evangelização vivida:

“E disseram um ao outro: ‘Não ardia nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?’”

10º) Lc 24, 33: Retornam à comunidade, à Igreja dos Apóstolos:

“Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém. Acharam aí reunidos os Onze e seus companheiros.”

11º) Lc 24, 34: Os Apóstolos os confirmam na fé vivida:

Que disseram: ‘É verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!’”

12º) Lc 24, 35: Agora é a vez dos discípulos de Emaús testemunharem:

“E eles narraram os acontecimentos do caminho e como O haviam reconhecido na fração do pão.”

Todos os ingredientes de uma boa missão de evangelização estão reunidos neste relato evangélico: Encontro benevolente... Questões... Correção do erro... Anúncio do “Kerygma”... Palavra de Deus... Eucaristia celebrada... Regresso à Comunidade... Comunhão com a Igreja Apostólica... Seu testemunho pessoal...

“No dinamismo da evangelização, aquele que acolhe o Evangelho como Palavra que salva, normalmente, o traduz depois nestas atitudes sacramentais: adesão à Igreja, aceitação dos sacramentos que manifestam e sustentam essa adesão, pela graça que eles conferem.” (Papa Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, n° 23)

E os frutos das nossas missões?

Não nos pertencem. É o segredo de Deus. Nós ceifamos, certamente, onde outros trabalharam e semearam. Outros ceifarão no campo onde nós próprios semeamos. “Aqui, pois, se verifica o provérbio: ‘Um é o que semeia, outro o que ceifa’. Eu vos enviei a ceifar onde não trabalhastes; outros trabalharam e vós entrastes no trabalho deles”. (Jn 4, 37-38)

O teste pode, no entanto, ser revelado de tempos em tempos, quando, mais tarde, alguns nos farão conhecer que determinada noite ou determinado encontro transformou sua vida; “se eu sou padre hoje, é graças a esta missão”, ou “a este retiro”; etc. O missionário deve estar abandonado, na confiança e na gratuidade, sem procurar saber o que foi iluminado, nem quando, nem onde, nem quem...

“Finalmente, aquele que foi evangelizado, por sua vez, evangeliza. Está nisso o teste de verdade, a pedra-de-toque da evangelização: não se pode conceber uma pessoa que tenha acolhido a Palavra e se tenha entregado ao reino sem se tornar alguém que testemunha e, por seu turno, anuncia essa Palavra.” (Papa Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, n° 24)

Somos todos chamados a lutar contra a tendência tão comum do individualismo e da procura do nosso conforto pessoal para sair a anunciar o Evangelho da graça que muitos esperam.

“Sentimos a urgência de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação na vida cristã que comece pelo ‘kerygma’, que guiado pela Palavra de Deus, conduza a um encontro pessoal, cada vez maior, com Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem, experimentado como plenitude da humanidade e que leve à conversão, ao seguimento em uma comunidade eclesial e a um amadurecimento de fé na prática dos sacramentos, do serviço e da missão.” (Documento de Aparecida, n° 289)

Muitos tentam escapar dos outros fechando-se na sua privacidade confortável ou no círculo reduzido dos mais íntimos, e renunciam ao realismo da dimensão social do Evangelho. Porque, assim como alguns quiseram um Cristo puramente espiritual, sem carne nem cruz, também se pretendem relações interpessoais mediadas apenas por sofisticados aparatos, por ecrãs e sistemas que se podem acender e apagar à vontade. Entretanto, o Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com os seus sofrimentos e suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado. A verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura.” (Papa Francisco, EG, n° 88)