Os desafios atuais: sinais dos tempos para a criatividade do Espírito!

por Diácono Georges Bonneval

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Os desafios de nossa geração são numerosos. É muito difícil estabelecer uma lista exaustiva, até porque o que parece ser um desafio para um, será uma banalidade da vida para um outro. É necessário fazer uma avaliação que não parta de nossa subjetividade, mas de elementos objetivos da atualidade segundo a leitura do sucessor de Pedro, nos ombros do qual pesa a evangelização deste mundo.

O que a Palavra de Deus, através das Sagradas Escrituras diz, face aos desafios, a cada um de nós?

Cada desafio que encontramos em nossas vidas, não será uma ocasião dada pela Providência Divina, um “sinal dos tempos” para nos fazer buscar nas Escrituras a voz do Senhor? Ele declara pelo seu profeta:

Não é a minha palavra como fogo? Oráculo do Senhor. E como um martelo que arrebenta a rocha?”

(Jr 23, 29)

De fato, em toda a circunstância, Deus tem uma palavra dirigida ao seu povo. É ela que muda as coisas e é ela que devemos buscar humildemente. No começo, esta palavra pode vir como uma insinuação tão frágil e tão pobre, que nós podemos sequer prestar atenção. Mas quando ela vem do Espírito Santo, eis que pode se tornar essa força que quebra o rochedo mais resistente.

“A época que vivemos oferece novas oportunidades à Igreja, Deus abre à Igreja, os horizontes de uma humanidade mais preparada para a sementeira evangélica, e está a criar necessidade da verdade sobre Deus, o homem e o significado da vida.” (Cf. S. João Paulo II, Redemptoris

O motivo de nossa evangelização e das nossas ações apostólicas deve ser puro. Deus não pode se fazer cúmplice da nossa vaidade, da nossa aparência, de algum interesse particular nem de quaisquer devaneios humanos. Na verdade, “não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo!” (2Cor 4, 5).

“Não se trata daquilo que veem os homens, pois eles veem apenas com os olhos, mas o Senhor olha o coração.” (Cf. 1 Sm 16, 7)

O Pe. Cantalamessa declara que “O ‘porquê’ nós pregamos é praticamente tão importante quanto o conteúdo da nossa pregação” (Conforme o seu artigo: “O Espírito Santo, alma da evangelização”).

Mas quais são, então, os desafios que a nossa geração e os cristãos encontram hoje?

O Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, nos apresenta como um inventário atual dos desafios que encontramos; destacamos 9 entre os principais citados:

O desafio da cultura do bem-estar, da dominação do dinheiro, da indiferença, do consumo desenfreado e do descartável

“Não a uma economia da exclusão e da desigualdade social.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 53)

“Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco.” (Idem)

“O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do ‘descartável’, que aliás chega a ser promovida. Os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 53-54)

“A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade. Uma das causas desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e as nossas sociedades.” (Idem, n° 54-55)

“A grave carência duma orientação antropológica que reduz o ser humano apenas a uma das suas necessidades: o consumo, a corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta que assumiram dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites.” (Idem, n° 55-56)

“Na cultura dominante, ocupa o primeiro lugar aquilo que é exterior, imediato, visível, rápido, superficial, provisório. O real cede o lugar à aparência.” (Idem, n° 62)

O desafio da recusa de Deus e da ética

“Por detrás desta atitude, escondem-se a rejeição da ética e a recusa de Deus... é considerada contraproducente, demasiado humana, porque relativiza o dinheiro e o poder. É sentida como uma ameaça, porque condena a manipulação e degradação da pessoa.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 57)

“Uma reforma financeira que tivesse em conta a ética exigiria uma vigorosa mudança de atitudes por parte dos dirigentes políticos, a quem exorto a enfrentar este desafio com determinação e clarividência.” (Idem, n° 58)

“Às vezes, os diferentes desafios manifestam-se em verdadeiros ataques à liberdade religiosa ou em novas situações de perseguição aos cristãos.” (Idem, n° 61)

“Em muitos lugares, trata-se mais de uma generalizada indiferença relativista, relacionada com a desilusão e a crise das ideologias, numa cultura onde cada um pretende ser portador duma verdade subjetiva própria, torna-se difícil que os cidadãos queiram inserir-se num projeto comum.” (Idem, n° 61)

“Com a negação de toda a transcendência, produziu-se uma crescente deformação ética, um enfraquecimento do sentido do pecado pessoal e social e um aumento progressivo do relativismo... uma forma de relativismo moral, que se une consistentemente a uma confiança nos direitos absolutos dos indivíduos... numa sociedade da informação que nos satura indiscriminadamente de dados, todos postos ao mesmo nível, e acaba por nos conduzir a uma tremenda superficialidade no momento de enquadrar as questões morais.” (Idem, n° 64)

O desafio da desigualdade social que gera violência

“Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade... um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte. É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 59)

“Assim, mais cedo ou mais tarde, a desigualdade social gera uma violência que as corridas armamentistas não resolvem nem poderão resolver jamais.” (Idem, n° 60)

“Vão surgindo formas novas de comportamento resultantes da orientação das mídias de massa (…). Em consequência disso, os aspectos negativos das mídias de massa e espetáculos estão a ameaçar os valores tradicionais.” (Idem, n° 62)

“Nalguns países, se reacendem várias formas de guerras e conflitos.” (Idem, n° 67)

O desafio da secularização

“Deve-se também à existência de estruturas com clima pouco acolhedor nalgumas das nossas paróquias e comunidades, ou à atitude burocrática com que se dá resposta aos problemas.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 63)

“Em muitas partes, predomina o aspecto administrativo sobre o pastoral, bem como uma sacramentalização sem outras formas de evangelização.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 63)

“O processo de secularização tende a reduzir a fé e a Igreja ao âmbito privado e íntimo.” (Idem, n° 64)

O desafio da crise na família

“A família atravessa uma crise cultural profunda, como todas as comunidades e vínculos sociais.” (Idem, n 66)

“No caso da família, a fragilidade dos vínculos reveste-se de especial gravidade, porque se trata da célula básica da sociedade.” (Idem, n° 66)

“O individualismo pós-moderno e globalizado favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas e distorce os vínculos familiares.” (Idem, n° 67)

O desafio da inculturação da fé

“Há uma necessidade imperiosa de evangelizar as culturas para inculturar o Evangelho.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 69)

“Podemos reconhecer algumas fragilidades que precisam ainda de ser curadas pelo Evangelho: o machismo, o alcoolismo, a violência doméstica, uma escassa participação na Eucaristia, crenças fatalistas ou supersticiosas que levam a recorrer à bruxaria, etc.” (Idem, n° 69)

“Há certo cristianismo feito de devoções – próprio duma vivência individual e sentimental da fé – que, na realidade, não corresponde a uma autêntica ‘piedade popular’.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 70)

“Se produziu uma ruptura na transmissão geracional da fé cristã no povo católico... Algumas causas desta ruptura são a falta de espaços de diálogo familiar, a influência dos meios de comunicação, o subjetivismo relativista, o consumismo desenfreado que o mercado incentiva, a falta de cuidado pastoral pelos mais pobres, a inexistência dum acolhimento cordial nas nossas instituições.” (Idem, n° 70)

O desafio das culturas urbanas

“Na vida cotidiana, muitas vezes os citadinos lutam para sobreviver e, nesta luta, esconde-se um sentido profundo da existência que habitualmente comporta também um profundo sentido religioso. Precisamos de o contemplar para conseguirmos um diálogo parecido com o que o Senhor teve com a Samaritana.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 72)

“Novas culturas continuam a formar-se nestas enormes geografias humanas onde o cristão já não costuma ser promotor ou gerador de sentido.” (Idem, n° 73)

“Isto requer imaginar espaços de oração e de comunhão com características inovadoras, mais atraentes e significativas para as populações urbanas.” (Idem, n° 73)

“Torna-se necessária uma evangelização que ilumine os novos modos de se relacionar com Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 74)

“Em muitas partes do mundo, as cidades são cenário de protestos em massa, onde milhares de habitantes reclamam liberdade, participação, justiça e várias reivindicações que, se não forem adequadamente interpretadas, nem pela força poderão ser silenciadas.” (Idem, n° 74)

“Nas cidades, facilmente se desenvolve o tráfico de drogas e de pessoas, o abuso e a exploração de menores, o abandono de idosos e doentes, várias formas de corrupção e crime.” (Idem, n° 75)

“As casas e os bairros constroem-se mais para isolar e proteger do que para unir e integrar.” (Idem, n° 75)

Os desafios na vida dos servos de Deus e da Igreja

“A nossa tristeza e vergonha pelos pecados de alguns membros da Igreja, e pelos próprios, não devem fazer esquecer os inúmeros cristãos que dão a vida por amor... Hoje nota-se em muitos agentes pastorais, mesmo pessoas consagradas, uma preocupação exacerbada pelos espaços pessoais de autonomia e relaxamento.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, nº 76; 78)

“Assim, é possível notar em muitos agentes evangelizadores – não obstante rezem, – uma acentuação do individualismo, uma crise de identidade e um declínio do fervor. São três males que se alimentam entre si.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, nº 78)

“Muitos agentes pastorais desenvolvem uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou esconder a sua identidade cristã e as suas convicções.” (Idem, nº 79)

“Nos agentes pastorais... desenvolve-se um relativismo ainda mais perigoso que o doutrinal... Este relativismo prático é agir como se Deus não existisse, decidir como se os pobres não existissem, sonhar como se os outros não existissem, trabalhar como se aqueles que não receberam o anúncio não existissem.” (Idem, nº 80)

“Acabam, muitas vezes, por cair num estilo de vida que os leva a agarrarem-se a seguranças econômicas ou a espaços de poder e de glória humana que se buscam por qualquer meio, em vez de dar a vida pelos outros na missão. Não nos deixemos roubar o entusiasmo missionário!” (Idem, nº 80)

O desafio da acédia egoísta

“Procuram fugir de qualquer compromisso que lhes possa roubar o tempo livre.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, nº 81)

“As pessoas sentem imperiosamente necessidade de preservar os seus espaços de autonomia, como se uma tarefa de evangelização fosse um veneno perigoso... Alguns resistem a provar até ao fundo o gosto da missão e acabam mergulhados numa acédia paralisadora.” (Idem, nº 81)

Com certeza, podemos completar esta lista de 9 desafios que acabamos de destacar com outros temas que o Papa menciona e que são tão importantes, como: a suspeita, a desconfiança permanente, o medo de sermos invadidos, as atitudes defensivas, a fuga dos outros por uma vida privada confortável (Idem, n° 88)…

O isolamento e uma falsa autonomia, falta de respostas à sede de Deus; várias formas de ‘espiritualidade do bem-estar’ sem comunidade; ‘teologia da prosperidade’ sem compromissos fraternos; experiências subjetivas sem rostos... (Idem, n° 89-90).

“O desafio de aprender também a sofrer, num abraço com Jesus crucificado, quando recebemos agressões injustas ou ingratidões, sem nos cansarmos jamais de optar pela fraternidade.” (Idem, n° 91)

O desafio do mundanismo espiritual, que é infinitamente mais desastroso do que qualquer outro mundanismo meramente moral… (Idem, n° 93 a 97).

O desafio das guerras e das divisões entre cristãos (Idem, n° 98 a 101).

O desafio pastoral de formação dos leigos e evangelização das categorias profissionais e intelectuais... (Cf. Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 102).

O Papa termina sua longa lista sublinhando a importância do lugar dos jovens e dos idosos (Cf. Idem, n° 108) e dos pobres, que permanece constantemente (Idem, n° 186 à 197).

Bem entendido, como indica o Papa, cada pessoa e cada uma de nossas comunidades deve completar e enriquecer estas perspectivas a partir da consciência dos desafios que lhe são mais pessoais e com aqueles que lhe são próximos. Que o Espírito do Senhor seja nosso guia e nossa inspiração no meio de todos estes desafios!