“Recebereis uma força… e sereis minhas testemunhas”

“Recebereis uma força… e sereis minhas testemunhas” (At 1, 8)

Tema para o ano de 2019 - Sementes do Verbo.

Por Diác. Georges Bonneval

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Estas palavras do livro dos Atos dos Apóstolos, são as últimas palavras pronunciadas por Jesus, antes de sua Ascensão ao Céu. No dia de Pentecostes, este anúncio se realizou de maneira precisa.

Pedro, inspirado pelo Espírito Santo, recebido pelos Apóstolos durante a sua oração no Cenáculo, cheio do Espírito, se põe a proclamar “aquilo que, de certeza, não teria tido a coragem de dizer anteriormente!” (S. João Paulo II, Dominum et Vivificatem, nº 30).

O Senhor Jesus, antes de subir aos céus, transmitiu a seus discípulos o mandamento de anunciar o Evangelho ao mundo inteiro e de batizar todas as nações:

“Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura. Aquele que crer e for batizado será salvo; o que não crer será condenado.” (Mc 16, 15-16)
“Todo poder foi me dado no céu e sobre a terra. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos.” (Cf. Mt 28, 18-20; Lc 24, 46-48; Jo 17, 18; 20, 21; At 1, 8)

Ele mesmo é o Enviado do Pai e Ele envia, por sua vez, seus apóstolos e discípulos. A Igreja nasceu missionária porque nasceu do Pai, que enviou Seu Filho ao mundo, o qual, Ressuscitado, enviou os apóstolos a todas as nações. É uma missão “ad gentes” – para os povos – segundo o título do Decreto da atividade missionária da Igreja, do Concílio Vaticano II.

De fato, todos os evangelistas, quando relatam o encontro do Ressuscitado com os apóstolos, concluem com Cristo, enviando-os em missão: “Todo poder foi me dado no céu e sobre a terra. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos... E eis que Eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Cf. Mt 28, 18-20; cf. Mc 16, 15-18; Lc 24, 46-49; Jo 20, 21-23).

Este envio é um envio no Espírito, e não pode ser de outra maneira; como aparece claramente no texto de João: Cristo envia os seus ao mundo, como o Pai O enviou, e, por isso, dá-lhes o Espírito. Desde a tarde de Páscoa, Cristo Ressuscitado envia os discípulos: “‘Como o Pai me enviou, também Eu vos envio’. Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20, 21-22).

Lucas une, estreitamente, o testemunho que os Apóstolos devem dar de Cristo e a ação do Espírito que os torna capazes de cumprir a missão. Pode sempre haver a tentação, para o discípulo, de “avançar sozinho”; e, para a comunidade, de pensar que, face a todos os desafios encontrados, o seu próprio carisma basta. Nós veremos, como devemos procurar viver a comunhão dos carismas entre as diferentes comunidades e presenças eclesiais. É o Espírito, de fato, quem guia a Igreja e as comunidades, no caminho da verdade total, assegurando a articulação na comunhão e no serviço (Cf. Lumen Gentium, nº 4).

É o Espírito Santo de Cristo que está presente na estrutura institucional da Igreja enquanto Templo vivo do Espírito Santo (Cf. 1Cor 3, 16), que constitui a unidade da comunidade cristã e que qualifica os apóstolos e discípulos enviados em missão.

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Este tema de At 1, 8 foi escolhido por ocasião do Sínodo da África em 1995 (Sínodo que precede a Exortação Apostólica de S. João Paulo II “Ecclesia in Africa”). Esse também foi o tema escolhido para a JMJ de Sydney (Austrália) em 2008.

E é este tema da missão que nos guiará neste Compêndio do Ano 2019, em vista do próximo Sínodo Especial dos Bispos, que se reunirá em outubro de 2019, com o tema: “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.

Como sublinha o preâmbulo do Documento preparatório deste Sínodo: “As reflexões do Sínodo Especial superam o âmbito estritamente eclesial amazônico, por serem relevantes para a Igreja universal e para o futuro de todo o planeta. Partimos de um território específico, do qual se quer fazer uma ponte para outros biomas essenciais do nosso mundo”.

Para nos acompanhar ao longo de todo este ano, neste caminho da missão e da evangelização, retomaremos diversas fontes de referência dos últimos magistérios, a partir do Concílio Vaticano II, que foi certamente o laboratório da “Nova Evangelização”, tema escolhido pelo Sínodo dos Bispos de 1974: “A evangelização no mundo moderno”, do qual o Papa Paulo VI, no ano seguinte, recolhe os frutos na sua Exortação Apostólica pós-sinodal: “Evangelii Nuntiandi”.

Nenhuma missão pode ser dita pequena ou grande. Toda a nossa vida, em todo o lugar, é missão, e a Igreja, como cada uma das nossas comunidades e famílias, deve estar em situação permanente de missão, “ela existe para evangelizar!” (Papa Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, nº 14).

O Papa S. João Paulo II empregou, há 40 anos, pela primeira vez, a expressão “Nova Evangelização”, por ocasião da sua viagem à Polônia, perante os operários de siderurgia de Nowa Huta, perto de Cracóvia, a 9 de junho de 1979:

“Nestes novos tempos - nestas novas condições de vida - volta a ser anunciado o Evangelho. Iniciou uma nova evangelização, quase como se se tratasse de um segundo anúncio, embora na realidade seja sempre o mesmo.”

Durante o seu pontificado, S. João Paulo II teve, numerosas vezes, a ocasião de exortar à Nova Evangelização; citemos sua expressão que se tornou célebre, no momento da sua visita apostólica ao Haiti, em 1983: “A Nova Evangelização, nova, sim, no seu ardor, nos seus métodos, nas suas expressões...”.

Mais tarde, em 1990, S. João Paulo II ofereceu à Igreja sua grande Encíclica-programa: “Redemptoris Missio”, especificando: “Está-se a afirmar uma nova consciência, isto é, a de que a missão compete a todos os cristãos, a todas as dioceses e paróquias, instituições e associações eclesiais... nesta ‘nova primavera’ do cristianismo” (Redemptoris Missio, nº2).

Em 2007, o “Documento de Aparecida”, emanado da V Conferência Geral do Episcopado Latino Americano e das Caraíbas, inaugurado pelo Papa Bento XVI, com o tema: “Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nossos povos Nele tenham vida”, tornou-se um documento de referência até aos nossos dias.

Depois destas três grandes referências missionárias, em 2013, na sua Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, o Papa Francisco, logo no início do seu pontificado, propôs uma verdadeira carta missionária, endereçada a todos os membros da Igreja e a todos os níveis.

“A ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, nº 15)

Por fim, em abril de 2015, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, publicou as “Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, 2015-2019” (Documento nº 102 da CNBB); este documento, enriquecido pelo magistério do Papa Francisco, sublinha a prioridade e as urgências que motivam a ação evangelizadora a todos os níveis.

Até ao século XIX, os missionários deixavam definitivamente suas terras natais para evangelizar e dar suas vidas noutros continentes, junto dos povos que nunca tinham ouvido pronunciar o nome de Jesus Cristo. Hoje, podemos nos questionar se existe ainda um povo ou uma região que nunca tenha tido contato com o Evangelho.

Mas, eis que apareceram nestas últimas décadas, novos lugares e desafios para a evangelização; verdadeiros biomas e continentes se abrem diante de nós, esperando novos missionários: o continente prioritário da infância e da juventude, o continente da ignorância dos tesouros da fé católica, o continente do mundo hospitalar e das prisões, o continente do materialismo individualista, o continente dos pluralismos da liberdade individual e das opiniões, o continente da internet, etc.

As fronteiras atravessam as nossas famílias, nossos bairros e nossas residências.

Caro irmão e cara irmã, dá o pouco de fé, o pouco de amor, o pouco de esperança que tu tiveste a graça de receber e os verás, com alegria, multiplicarem-se, no teu próprio coração e à tua volta. Aqueles que te rodeiam não poderão encontrar sozinhos essa Boa Nova que veio até ti; eles esperam, com uma secreta nostalgia, o teu rosto, as tuas palavras, o teu anúncio explícito e concreto. Ou, melhor, os de Jesus Cristo através de ti.

Dá o bem que o Espírito Santo te convida interiormente a dar... Senão, esse bem será perdido! Mais tarde, tu não te arrependerás, porque não nos arrependemos do bem doado, mesmo se o seu destinatário não teve, nem terá nunca, alguma gratidão!


Mas a condição inicial é – e o Papa Francisco lembra muitas vezes como uma única e principal condição – “a nossa saída e partida missionária”. Para cada uma das nossas comunidades, Casas de Aliança, paróquias e movimentos, como para cada um de nós: devemos nos colocar em situação de saída de si mesmo, de êxodo, com vestes de serviço, em atitude missionária...

“Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, nº 20)

Lembro-me do testemunho dessa jovem, com pouco mais de vinte anos, na França, que participando na reunião de oração de um grupo ecumênico, num dia 31 de dezembro, confessava em voz alta: “Perdoame, Senhor, porque este ano que passou, só consegui fazer-Te conhecer a seis pessoas...”. Quantas serão essas pessoas que, graças à nossa coragem e à nossa fé, Te encontrarão neste ano?

Que o Senhor nos dê a graça de vivermos, juntos, esses numerosos atos de fé, durante este novo Ano de 2019, para que nos encontremos daqui a um ano, transbordando com a colheita de Cristo e com a alegria dos discípulos regressando da missão:

“Os setenta e dois voltaram com alegria, dizendo: ‘Senhor, até os demônios se nos submetem em teu nome!’.” (Lc 10, 17)

Caros amigos brasileiros, não deixeis que vos roubem a liberdade de anunciar a Boa Nova do Evangelho em todos os lugares e espaços! O meu país de origem é a França e, a partir de 2015, as orações e evangelização nas ruas e nos espaços públicos são proibidas. Mesmo a instalação de presépios de Natal, no espaço público, tornou-se interdita! Enquanto as portas estão abertas para acolher a Palavra de vida, demos graças a Deus e estejamos prontos para evangelizar.

Rezemos, vigiemos, estejamos à escuta e disponíveis ao Espírito Santo e aos nossos Pastores, nossos Bispos; são eles que nos enviam; porque ninguém se pode declarar a si mesmo: “enviado”. Cristo é o Enviado do Pai, foi Ele que enviou seus Apóstolos e que envia hoje os seus sucessores, nossos bispos. Um missionário se reconhece naquele que o enviou. Quando encontramos os missionários, devemos lhes perguntar: “Quem te enviou? Dá-me o nome do teu bispo, que te abençoou para esta missão!”. O Papa Francisco nos convida ainda:

“O bem tende sempre a comunicar-se. Toda a experiência autêntica de verdade e de beleza procura, por si mesma, a sua expansão; e qualquer pessoa que viva uma libertação profunda adquire maior sensibilidade face às necessidades dos outros. E, uma vez comunicado, o bem radica-se e desenvolve-se. Por isso, quem deseja viver com dignidade e em plenitude, não tem outro caminho senão reconhecer o outro e buscar o seu bem. Assim, não nos deveriam surpreender frases de S. Paulo como estas: ‘O amor de Cristo nos absorve completamente’ (2Cor 5, 14); ‘ai de mim, se eu não evangelizar!’ (1Cor 9, 16).

A proposta é viver a um nível superior, mas não com menor intensidade: ‘Na doação, a vida fortalece-se; e enfraquece-se no comodismo e no isolamento. De fato, os que mais desfrutam da vida são os que deixam a segurança da margem e se apaixonam pela missão de comunicar a vida aos demais’. Quando a Igreja faz apelo ao compromisso evangelizador, não faz mais do que indicar aos cristãos o verdadeiro dinamismo da realização pessoal: ‘Aqui descobrimos outra profunda lei da realidade: A vida alcança-se e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros. Isto é, definitivamente, a missão’. Consequentemente, um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral. Recuperemos e aumentemos o fervor de espírito, ‘a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas!