A Virgem Maria: Rainha das Virtudes | Palavra do Fundador | AGOSTO

 

Diácono Georges Bonneval

A Virgem Maria, na aurora do cumprimento e da plenitude dos tempos

A célebre revista americana National Geographic, na sua edição de dezembro de 2015, publicou um longo artigo dedicado à Virgem Maria com este título na primeira página: "A mulher mais poderosa do mundo: Nossa Senhora, a Virgem Maria". Foi a autora do artigo¹ que se referiu a ela como tal.

É inegável que o papel da Virgem Maria, Mãe de Jesus Cristo Nosso Senhor, nunca cessou de nos desafiar no decurso da história da humanidade, pelo seu papel no plano de Deus e na história da salvação. No entanto, é importante saber de que poder e força estamos falando! E igualmente quando usamos os termos: rainha, realeza e virtudes. Não devemos confundir o uso destes termos e devemos ter o cuidado de não os interpretar num sentido profano, mas sim numa dimensão teológica e espiritual de acordo com a fé da Igreja. 

A memória de "Maria Rainha" foi instituída em 1954 pelo Papa Pio XII, como oitava da Festa da Assunção, no dia 22 de agosto de cada ano litúrgico. O reconhecimento da realeza da Virgem Maria é o fruto maduro da sua predestinação pela graça divina.

O Papa Pio XII declarou que "Maria é Rainha mais do que qualquer outra criatura em virtude da elevação da sua alma e da excelência dos dons recebidos. Ela não cessa de conceder todos os tesouros do seu amor e dos seus desvelos à humanidade" ².

Foi o mesmo Papa Pio XII que em 1954 publicou a encíclica "Ad coeli Reginam" ("Rainha do Céu") sobre a realeza de Maria. É importante descobrir, neste documento, as referências bíblicas sobre a realeza, bem como as interpretações dos Padres da Igreja: em particular, a de Santo Efrém: "Santo Efrém, com grande inspiração poética, põe estas palavras na boca de Maria: 'Erga-me o firmamento nos seus braços, porque eu estou mais honrada do que Ele. O céu não foi tua mãe, e fizeste dele teu trono. Ora, quanto mais se deve honrar e venerar a mãe do Rei, do que o seu trono!'" ³.

Em outro passo, Santo Efrém assim invoca Maria Santíssima: "(...) Virgem augusta e protetora, rainha e senhora, protege-me à tua sombra, guarda-me, para que satanás, que semeia ruínas, não me ataque, nem triunfe de mim o iníquo adversário" ⁴.

São Gregório Nazianzeno, também chama Maria como: "'Mãe do Rei de todo o universo', 'Mãe virgem, [que] deu à luz o Rei do mundo inteiro'."

A Constituição do Concílio Vaticano II sobre a Igreja explica: 

"Maria foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha, para assim se conformar mais plenamente com seu Filho."  ⁶

Durante séculos, a arte retratou santos canonizados com uma auréola; a Virgem Maria, por outro lado, é frequentemente representada coroada, como uma rainha. O principal argumento para a dignidade real de Maria, tanto na tradição antiga como na liturgia sagrada, é claramente a sua maternidade divina. De fato, na Sagrada Escritura, é dito sobre o Filho que a Virgem dará à luz: "Será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; Ele reinará na casa de Jacó para sempre, e o seu reinado não terá fim" (Lc 1, 32-33). Maria é também proclamada "Mãe do Senhor" (cf. Lc 1, 43).

Assim, ela é Rainha, uma vez que deu vida ao seu filho que, desde o momento da sua concepção, é Rei e Senhor de todas as coisas. 

Finalmente, Maria é Rainha, "não só pela sua maternidade divina, mas ainda pela parte singular que Deus queria ter na obra da salvação". ⁷

Maria, Rainha das Virtudes

Santo Afonso de Ligório (no século XVIII), no seu tratado sobre "As Glórias de Maria", introduz o tema das virtudes da Virgem Rainha, citando Santo Agostinho que escreve: "para obter, com mais certeza e profusão, os favores dos santos, é necessário imitá-los porque nosso esforço nesse sentido os faz dispostos a rogar por nós".

A este respeito, a Virgem Maria merece uma atenção e veneração particulares: não é ela quem reúne na sua pessoa (como faz a Igreja na sua dimensão coletiva) todas as virtudes, sendo estas simbolizadas nas preciosas pérolas da sua coroa como Virgem Rainha?

No seu tratado espiritual, Santo Afonso apresenta uma lista de dez virtudes: "As virtudes de Maria", que aqui resumiremos em oito, um número que significa perfeição, reunindo as três virtudes teologais. Assinalamos que Santo Afonso, antes de abordar a sua meditação sobre as virtudes de Maria, apresenta num primeiro capítulo: "as sete dores de Maria".

As virtudes de Maria que Santo Afonso de Ligório destaca

Santo Afonso destaca as seguintes virtudes de Maria⁸:

1) A humildade de Maria,

2) O amor de Maria para com Deus,

3) As virtudes teologais para com o próximo da Caridade, Fé e Esperança de Maria, 

4) A castidade de Maria, 

5) A pobreza de Maria, 

6) A obediência de Maria, 

7) A paciência de Maria, 

8) O espírito de oração de Maria.

1. A humildade de Maria: "Sem humildade, não há virtude que possa existir numa alma. Possua embora todas as virtudes, fugiriam todas ao lhe fugir a humildade. Pelo contrário, Deus tão amante é da humildade, que se apressa em correr onde a vê, escreve São Francisco de Sales a Santa Joana de Chantal. (…) Veio à terra o próprio Filho de Deus, exigindo que, principalmente nesse particular, lhe procurássemos imitar o exemplo. 'Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração' (Mt 11, 29). (…) Embora se visse mais enriquecida de graças que os outros todos, nunca ela se julgou acima de quem quer que fosse. Ao contrário, teve sempre modesta opinião de si mesma".

2. O amor de Maria para com Deus: "De tal modo o Amor divino feriu a alma de Maria, observa São Bernardo, que não lhe deixou parte alguma que não fosse ferida de amor. Deste modo, pois, cumpriu a Senhora perfeitamente o primeiro preceito divino. Bem podia dizer de si: 'O meu Amado é para mim, e eu para Ele' (Ct 2, 16)".

"Mas, como o de Maria, não inflamou nenhum outro. Puro completamente de afetos terrenos, estava ele preparadíssimo a arder nesse bem-aventurado fogo. Fogo e chamas tão somente era, pois, o coração de Maria. Sobre esse amor lê-se
nos Cânticos
(Ct. 8, 6)". "Eis as suas palavras: Assim como de um intenso fogo fogem as moscas, assim do coração de Maria, fogueira de caridade, eram expulsos os demônios, de modo que nem tentavam aproximar-se dele."

3. A Caridade, a Fé e a Esperança de Maria: "Respondeu o Senhor: Quem me ama também ama tudo aquilo que é amado por mim. Ora, como nunca houve, nem haverá quem ame a Deus mais do que Maria, tão pouco nunca houve, nem haverá, quem mais do que ela ame ao próximo." Um texto do Cântico dos Cânticos (cf. Ct. 3, 9), diz que "O Filho de Deus o qual habitou no seio de Maria, encheu de caridade sua divina Mãe, a fim de que ela valesse, com isso, a todos que a implorassem."

"Acertadamente, diz Santo Irineu, que o dano que Eva com sua incredulidade causou, Maria o reparou com sua fé. É por isso que Santo Agostinho afirma que 'Dando Maria seu consentimento à Encarnação do Verbo, abriu aos homens o paraíso por sua fé' (…) 'Viu finalmente como morria vilipendiado na cruz, e, embora outros vacilassem, conservou-se firme, crendo sempre que ele era Deus'."

"Mas imitá-La como? A fé ao mesmo tempo é dom e virtude. Dom de Deus, enquanto é uma luz na alma. E virtude, enquanto ao exercício que dela faz a alma."

"Aprendamos, portanto, de Maria, como ter esperança em Deus, principalmente no grande assunto da salvação eterna. Para resolvê-lo, é indispensável a nossa cooperação; contudo só de Deus devemos esperar a graça para consegui-lo. Desconfiando de nossas próprias forças, devemos dizer com o Apóstolo: 'Tudo posso naquele que me fortifica' (cf. Fl 4,13)."

"Oh minha santíssima Rainha, o Eclesiástico diz-me que sois a Mãe da Esperança (cf. Eclo 24,18), e a Igreja, que sois a própria Esperança, Spes nostra, salve . Que outra esperança poderia eu ter?"

4. A castidade de Maria: "Ela, com razão, é chamada Virgem das virgens, lemos em Santo Alberto Magno; e isso porque sem conselho, nem exemplo de outros, foi a primeira a oferecer sua virgindade a Deus, dando-lhe assim as outras virgens que a imitaram. Predisse-o Davi com as palavras (cf. Sl 41)".

"Eis a razão por que Santo Ambrósio a chama de estandarte da virgindade."

"Por causa de tanta pureza, diz o Espírito Santo, é que a Virgem 'é bela como a pomba' (cf. Ct 1, 9). De açucena chamam-na também: Assim como a açucena entre os espinhos, pela sua simples presença, insinuava a todos, pensamentos e afetos de pureza."

5. A pobreza de Maria: "A virtude da pobreza é um bem que encerra todos os outros bens. Eu digo a virtude da pobreza, porque esta, segundo São Bernardo, não consiste somente em ser pobre, mas em amar a pobreza. Por isso Jesus Cristo exclamou: 'Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus' (Mt 5,3). Bem-aventurado porque em Deus encontra todos os bens, quem só a ele quer. Sim, encontra na pobreza o paraíso na terra, como São Francisco de Assis o dizia: 'Meu Deus e meu tudo!'. Amemos, pois, esse único bem, em que todos os bens estão encerrados."

"Só peçamos ao Senhor a exemplo de Santo Inácio: 'Se nos afligir a pobreza, consolo nos seja o pensamento, de que pobres como nós foram também Jesus e Maria'."

6. A obediência de Maria: "A Santíssima Virgem amava a obediência. Quando da embaixada de
S. Gabriel não quis tomar outro nome senão o de escrava.
'Eis aqui a escrava do Senhor (Lc 1,38)'. Com efeito, essa fiel escrava do Senhor nunca o contrariou, nem por ações, nem por pensamentos. Obedeceu sempre e em tudo à divina vontade, completamente despida de toda vontade própria."

"São Beda, o Venerável, assim comenta a passagem: 'Maria era mais bem-aventurada por sua obediência a Deus, do que por motivo de sua dignidade como Mãe do Senhor'."

7. A paciência de Maria: "Só a compaixão com as penas do Redentor foi bastante para torná-la mártir da paciência. Quanto ao que sofreu na viagem e estadia no Egito, assim como no tempo em que viveu com o Filho na oficina de Nazaré, já o consideramos acima quando tratamos de suas dores."

"Bastava sua assistência junto a Jesus moribundo no Calvário, para fazer conhecer quanto foi constante e sublime sua paciência. Foi então, precisamente pelos merecimentos de sua paciência, que se tornou Maria nossa Mãe e nos gerou a vida da graça, diz Santo Alberto Magno. Se, pois, desejamos ser filhos de Maria, é necessário que nos esforcemos por imitá-la na paciência."

8. O espírito de oração de Maria: "Nunca viu a terra uma alma que, como Maria, com tanta perfeição pusesse em prática o grande preceito do Salvador: Importa orar sempre e nunca cessar de o fazer (cf. Lc 18,1). A Santíssima Virgem rezava também completamente recolhida e livre de qualquer distração, ou afeto desordenado."

"Sim, a Virgem sempre viveu solitária neste mundo, como num deserto (cf. Ct. 5, 6). Virgem Santíssima, impetrai-nos o amor ao retiro e à oração, para que, desapegados do amor às criaturas, possamos aspirar só a Deus e ao paraíso, onde vos esperamos ver um dia, para louvar-vos e amar-vos sempre, juntamente com vosso Filho Jesus Cristo, por todos os séculos dos séculos."

Reinar é servi-Lo

Depois de nos termos deixado inspirar por Maria Rainha das virtudes, ela deve mostrar-nos que aquilo a que a Igreja chama "a realeza de Maria" é inseparável do espírito de serviço. De fato, foi o zelo deste serviço que animou aquela que se declarou "a serva do Senhor". Ela compromete-se, oferece e doa-se a si mesma, sem consultar os seus pais nem São José (que pensava repudiá-la em segredo), antes de ser visitado num sonho pelo anjo Gabriel.

Muitas pessoas ainda hoje — lideradas por algumas feministas — têm visto a Virgem Maria como o arquétipo da mulher submissa. São Lucas poderia ter apresentado Maria como uma mulher-instrumento-passivo da vontade divina. No entanto, em caso algum, trata-se disso. 

Maria é livre de decidir se acredita ou não que Deus pode fazer qualquer coisa, incluindo fazer com que ela engravide sem ter conhecido um homem. De fato, ela não aquiesce imediatamente com as palavras do anjo de Deus e até se sente incomodada por elas. Pois ela quer compreender: "Ela ficou intrigada com essa palavra e pôs-se a pensar qual seria o significado da saudação. O Anjo, porém, acrescentou: 'Não temas...'" (Lc 1, 29-30).

Maria, através da sua fé e da sua disponibilidade ativa para servir Deus e seu povo, torna a Encarnação possível, tornando-se a primeira criatura, uma mulher, a acolher a revolução que será o Cristianismo nos séculos vindouros.

Que contraste com os escritos de uma filósofa e romancista francesa do século XX: Simone de Beauvoir (1908-1986). Na introdução ao seu livro de 1949, O Segundo Sexo, ela escreveu: "A mulher aparece como o negativo, de modo que toda determinação lhe é imputada como limitação, sem reciprocidade", analisou. Ela continua:

"'Mulheres comuns'. Aquelas que não são musas, nem inspiradoras, nem rainhas, nem excepcionais. Pede-se à grande maioria das mulheres que sejam 'normais': para se misturarem na rotina diária da vida, mesmo que isso signifique tornar-se invisível (as vidas normais não são representadas). Penso que há algo que diz respeito a todas as mulheres, e que é a injunção para ser normal."

Simone de Beauvoir, no seu ideal de um "feminismo vulgar", não teve a graça de conhecer "as virtudes ativas e poderosas" da Virgem Maria, a "mulher mais livre da história"!

Como conclusão, citamos o Papa Pio XII, que sublinha esta feminilidade de Maria na sua Encíclica "Ad coeli Reginam":

"Maria tornou-se a primeira entre aqueles que, 'servindo a Cristo também nos outros, conduzem os seus irmãos, com humildade e paciência, Àquele Rei, de quem podemos dizer que 'servir é reinar'."

"E, servindo a causa do Evangelho — com o seu esforço concorde e egrégias virtudes, de que no meio de tantas dificuldades dão exemplo — concorram para o fortalecimento e progresso das sociedades terrestres." ¹⁰

Referências Bibliográficas

1 Maureen Orth, A mulher mais poderosa do mundo, Nossa Senhora a Virgem Maria, Artigo na revista National Geographic, dezembro de 2015.

2 Papa Pio XII, Discurso em honra de Maria Rainha, 1 de novembro de 1954.

3 Santo Efrém, Hymni de B. Maria, ed. Th. J. Lamy, t. II, Mechiniae, 1886.

4 Santo Efrém, Oratio and Ss.mam Dei Matrem; Opera omnia, Ed. Assemani, t. III graece.

5 São Gregório Nazianzeno, Poemata dogmatica, XVIII, v. 58.

6 Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, n. 59.

7 Papa Pio XII, Carta Encíclica Ad Caeli Reginam, 11 de outubro de 1954, n.34.

8 Santo Afonso de Ligório, As Glórias de Maria, cap. II, As Virtudes de Maria.

9 Papa João Paulo II, Carta Encíclica Redemptoris Mater (Sobre a Bem-aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que está a caminho), 25 de março de 1987, n.41.

10 Papa Pio XII, Carta Encíclica Ad Caeli Reginam, n.48.